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O STF, a Raposa e o Sol

15/08/2017 11:02

O STF, a Raposa e o Sol.

Quando a questão da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol desaguou na Corte Suprema brasileira (Supremo Tribunal Federal), que é a mais alta esfera judicial do país, os ministros que compunham aquele tribunal se viram diante de questão tão complexa quanto relevante para o país, sobretudo para as populações amazônicas, fulminando nos moradores de Roraima. Estava posta em discussão uma questão que extrapola em muito os interesses das populações indígenas. O que se estava a discutir eram questões de ordem internacional, com interesses muito além dos nativos de uma região supostamente indígena, localizada exatamente na tríplice fronteira Brasil-Venezuela-Guiana Inglesa. No início de 2009 o STF chegou a seu inevitável veredicto, estabelecendo que a terra fosse demarcada de forma contínua e que todos os não índios fossem retirados da área demarcada, o que ocorreu nos dias que se sucederam a tal decisão da Corte Suprema. Foi um momento histórico de grande impacto no estado, com conflitos ideológicos antagônicos, porém sem violência. Os retirados deram lugar aos novos possuidores exclusivos e estava, assim, fincada em uma fronteira estratégica, uma terra indígena de tamanho colossal, somando cerca de 1,7 milhões de hectares. Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio, único dos ministros do STF contrário à demarcação contínua, se disse indignado:

“Difícil é conceber o chamado fato indígena, a existência de cerca de 19 mil índios em toda a extensão geográfica da área demarcada – uma área doze vezes maior que o município de São Paulo, em que vivem cerca de 11 milhões de habitantes. Para mim o enfoque até aqui prevalecente soa desproporcional a discrepar, a mais não poder, da razoabilidade”.

 Nesse entendimento, o fato de se demarcar uma área de cerca de 1,7 milhões de hectares,atendendo a cerca de 19 mil índios, representando aproximadamente 90 hectares parac ada índio, seria desproporcional ao compararmos à realidade do cidadão comum brasileiro.O Ministro chama de verdadeiro Apartheid o fato de a demarcação ser feita isolando-se a população indígena. Segundo ele, em pleno século XXI, é impensável se cogitar em isolar uma população.

“O retrocesso é flagrante, não se coadunando com os interesses maiores de uma nacionalidade integrada.”

A realidade de várias das comunidades indígenas incluídas nessa demarcação é antagônica ao isolamento. São comunidades com diversos graus de integração aos não índios, trabalhando naquelas mesmas fazendas que acabariam por ser extintas por força do entendimento da Corte. O fato de muitos indígenas estarem em fases de aculturamento avançado, médio ou inicial deveria ter sido levado em consideração ao se realizar a demarcação. Contudo, e apesar de tudo, o STF sedimentou seu entendimento em preservar a cultura indígena, reconhecendo o direito imemorial à exclusividade da posse (ressalte-se que não se trata de propriedade), ficando doravante estabelecida a Reserva Raposa Serra do Sol como marco nas demarcações de terras indígenas a ser seguido nas futuras demarcações.Também, importante salientar a importância dessa decisão, pois firma entendimento que, inevitavelmente, influenciará os futuros debates no país, bem como em todos os países amazônicos, senão por todo o planeta, tendo em vista ser o Brasil reconhecidamente a maior potência ambiental do mundo, servindo naturalmente de fonte de reflexão em assuntos dessa natureza.

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